Acordei cedo para descer a serra. Meu trabalho era entrevistar uma autoridade no litoral. J� tinha procurado fotos dele na internet, mas a foto tinha pouca resolu��o Sempre vestido de branco, dava pra saber que era magro e tinha os cabelos bem grisalhos e curtos. Tamb�m dava para perceber a falta dele nas laterais, denunciando uma calv�cie que talvez nunca vingue. Tamb�m imaginei que tivesse mais ou menos a minha idade, passando dos 40. Fazendo a combina��o com a voz, a minha expectativa era positiva. Simp�tico e falador, o nosso contato telef�nico revelou uma pessoa muito amig�vel e atenciosa.
Na entrada de sua ampla sala, cheia de motivos ligados à sua fun��o, tive a recep��o surpreendente de seus l�mpidos olhos azuis, que me encantaram – todos os meus namorados tinham olhos claros. N�o podia dar bandeira, o assunto era profissional, nada mais. Iniciamos nossa apresenta��o com sua palavrearia. Consegui interromp�-lo para iniciar nossa entrevista com a ajuda da �gua com g�s gelada que chegava por um funcion�rioestagi�rio novinho que parecia muito subjugado – j� imaginei em minhas divaga��es que se ele quisesse teria qualquer funcion�rio aos seus p�s. Achei um luxo para uma reparti��o p�blica mas coerente com o status dele. Avistei a caixinha do ray-ban na sua mesa que serviram para proteger aqueles lindos olhos azuis. Ele era organizado, devia ser cuidadoso. Imaginei essa qualidade na cama ou no trato do seu amor. Sim, aqueles olhos azuis me flagravam num pensamento cheio de pecados. Repetia para mim mesmo, se voc� quisesse, me atracaria com voc�! surpreso pela toler�ncia de minha intoler�ncia para sexo casual.
Ele abaixava seu rosto e continuava falando olhando para a mesa, provavelmente porque os meus olhos castanhos me entregavam, me delatavam. Fiquei com medo de assust�-lo, mas a sua verborragia me hipnotizava e quase n�o prestava mais aten��o nos artigos, substantivos, verbos e adjetivos. E quantos adjetivos... Aproveitei o momento dos olhos nas mesas para apreciar o seu b�ceps. Nada demais, ele era magro por natureza, mas sonhei poder acariciar cada cent�metro quadrado. Ele parece ter percebido e acariciou seu bra�o numa atitude meio t�mida de quem est� sendo observado. N�o havia raz�o para aquilo. A alian�a gorda na m�o esquerda parecia um neon daqueles que n�o existem mais em S�o Paulo, gritando “hetero”... Mas como sou bobo desde nascen�a, me deixei levar pela fantasia.
No final, nas complementa��es, a tagarelice dele confidenciou a mim - mas imagino, a muitas mais pessoas que tivessem por mais de vinte minutos em sua presen�a - a dificuldade do cargo, uma vez que o deixava distante da esposa e dos filhos. “Nos finais de semana, apesar do conforto, me sinto muito sozinho”. Ah meu santinhopadici�o, ser� isso uma dica? N�o... n�o, pare de fantasiar! Sorri e mostrei uma cara solid�ria. Mas n�o tinha coragem de continuar o assunto.
Ap�s tirar as fotos dele, imaginando o trof�u que estava carregando em minha c�mera, um pr�mio de consola��o para alimentar minha fantasia, ou simplesmente admirar sua beleza. Ap�s apertar as m�os, ele colocou a sua m�o em minhas costas e me encaminhou para fora de sua sala. Ah aquele toque nas minhas costas... Foi um toque delicado, n�o um toque inseguro. Muito longe de um toque de homens heteros... mas mais uma vez a fantasia me alimentava.
Subi a serra. Quando cheguei ao escrit�rio, mandei as fotos para ele em um email e me dei liberdade de elogiar uma das op��es, numa esperan�a de que naquelas palavras ele percebesse o quanto o afei�oei. A resposta concordava comigo mas n�o traduzia mais nada. Os espa�os das letras do email dele n�o davam margem para alimentar minha alucina��o.
Passado mais de um m�s, estava revendo fotos da c�mera e ele apareceu. Relembrei com carinho aquele homem lindo. Quando dormi à noite sonhei com ele. Acho que motivado pela lembran�a, ele apareceu em meus sonhos. Estava com cal�a jeans e camiseta listrada e n�o com o uniforme que usa no trabalho. Ele estava simp�tico da mesma maneira mas me tratava como se fosse um velho amigo, algu�m por quem se nutre especial aten��o. Entramos no carro e minha m�o ficou ao lado da dele ao trocar a marcha. Tocou a dele. Ele olhou pra nossas m�os e eu fiz men��o de tirar, mas n�o queria tirar, mantive. Ele aproximou um dedo esperando minha rea��o e vendo que eu n�o tirei, colocou a m�o por sobre a minha. E levantamos nossas m�os juntos. Sabe aquele momento de sil�ncio, porque n�o se tem f�lego para dizer algo? �xtase! E ele estava tamb�m cheio de emo��o. Me olhou nos olhos, seu azuis estavam protegidos pelos �culos redondos de grau.
O desenrolar do sonho pulou o tempo, agora est�vamos em p� e ele me abra�ou ternamente, dizendo que eu era lindo. Suas m�os percorriam minhas costas, chegavam à minha bunda e meu sexo. Ele dizia que lindo momento era aquele. De repente ele parou, olhou pros lados e n�o sei o que falou, mas dizia que nada daquilo era poss�vel. Nosso amor estava impedido e n�o entendia o porqu�. Que desespero, mas o sonho percorreu outros caminhos... Depois de acordar, queria dormir e continuar o sonho.
Sonhos s�o assim, podem revelar nossos desejos mais profundos, mas s�o capazes tamb�m de revelar a falibilidade de nossa maior fantasia. Acordei frustrado e esperan�oso... ser� que tudo aquilo poderia ser poss�vel?... Ainda terei contato com ele. O que fazer? Me pergunto o tempo todo.